Pesquisar este blog

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Texto publicado em A Gargalhada

Narrativas de Trabalho[1]

O importante é não estar aqui ou ali, mas SER. E ser é uma ciência feita de pequenas e

grandes observações do cotidiano dentro e fora da pessoa. Quando não

executamos essas observações, não chegamos a ser; apenas estamos desaparecendo".

Carlos Drummond de Andrade

Várias palavras utilizadas em narrativas remetem ao trabalho de costura, como "fio da meada" e o "desenrolar da trama", por exemplo. Cabe lembrar também que algumas tribos indígenas do Chile têm o hábito de tricotar suas histórias em tapetes, dando um valor sagrado a arte de tecer e narrar. O encontro entre a Trupe Arruacirco e o Buraco d`Oráculo tem como proposição a junção das idéias, inquietações, gritos e diálogos comuns aos dois coletivos. Nesse projeto teceremos uma colcha, um tapete de contos, por meio de intervenções, partindo de histórias e da observação retiradas do solo que pisamos.

A Trupe Arruacirco tem como característica a pesquisa da cultura popular e do cômico. O Grupo é do Itaim Paulista, bairro da periferia leste da cidade de São Paulo, por isso mesmo sentimos nossa ancestralidade nordestina, negra e indígena, mas percebemos que a identidade cultural da região é pouco definida, pois sofre a influência de uma cultura massificada, que a distancia de suas raízes, princípios e manifestações populares que formaram esse povo. Sabemos que um povo que valoriza e reconhece sua história, tem maior poder de influir e discutir o cenário social no qual está inserido. Entretanto, não estamos propondo uma recuperação cultural tal qual se deu no seu surgimento, trata-se, tão somente, de atentarmos para uma apropriação de nossa história, de percebermos o que realmente nos forma enquanto indivíduos no meio desse caos, para não vivermos a "história" imposta pelo sistema, via veículos de comunicação de massa.

O grupo Buraco d`Oráculo foram e são grandes parceiros na construção do pensamento de um teatro popular, na discussão dos problemas da periferia e na afirmação da arte feita aqui, uma arte de qualidade que reforça nossa identidade, fugindo da visão e dos padrões de assistencialismo e do bairrismo panfletário. Pois ao falar de nossa aldeia também falamos do mundo.

A pesquisa desse projeto toma como ponto de partida as relações de trabalho e sua precarização, buscamos a história de quem a construiu braçalmente, não a história vigente que aprendemos na escola e que é encarada por muitos como verdade absoluta, mas que, no entanto, trata tão somente da ótica dos conquistadores, dos colonizadores e dos patrões. Pensadores como Eduardo Galeano, Darcy Ribeiro, Sergio Buarque de Holanda, Mikhail Bakhtin entre outros, tem nos ajudado nessa empreitada na qual buscamos compreender melhor nosso povo e as relações de trabalho a qual foram submetidos, seja o escravo, seja o proletariado.

O teatro épico é outra grande ferramenta, pois trás a proposta da narrativa e da problematização da lutas de classes. Convergir o olhar político e o popular, encontrando neles um objetivo comum: contar e propor uma nova trajetória, denunciar e identificar os meios de exploração e dilaceramento do individuo por esse estado de coisas que nos é colocado, de uma forma viva, comunicativa e integradora, junto ao público das comunidades onde moramos, é muito rico em nosso processo, em nosso fazer artístico. Caminhamos de olho na história e teceremos esse tapete no qual queremos pisar.

Termino com um Provérbio Yorubá que o escritor Eduardo Galeano nos lembra ao falar sobre a história das Américas: "Enquanto os leões não puderem contar suas histórias, as histórias serão sempre as dos caçadores."

Rafael Araújo – ator da Trupe Arruacirco




[1]A primeira intervenção criada no projeto está disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OLGbQJ2IFI0

Nenhum comentário: